1/28/2006

Vitória do Hamas

A imprensa árabe destacou ontem (27) em suas primeiras páginas a vitória do Hamas nas eleições palestinas, com as manchetes "um tsunami político" nos territórios palestinos e "um choque em Israel". Em sua primeira página, o diário estatal egípcio Al Ahram, de maior tiragem no país, destaca que a "vitória do Hamas causa um terremoto político na Palestina" e "um choque em Tel Aviv". O diário árabe internacional Al Hayat afirma em suas manchetes que o "Hamas foi surpreendido por seu triunfo e o Fatah por sua derrota".
O jornal explica que o Hamas conseguiu uma vitória arrasadora nas eleições, que supuseram um verdadeiro "tsunami político", que não se vê diminuído pelas advertências dos Estados Unidos de que nenhum partido com "braço armado" poderá participar da paz. O Al Hayat, um dos jornais mais respeitados no mundo árabe, destaca o fato de que o Fatah se negou a compartilhar um governo com o Hamas antes mesmo de o partido islâmico anunciar suas intenções.
Declaração institucional
Em outro artigo na mesma publicação, o comentarista Ghassan Sherbel assinala que o mundo despertou com uma notícia descrita como um terremoto e que foi recebida com uma mistura de choque e incerteza, já que ninguém no mundo esperava um golpe deste tamanho, nem sequer o próprio Hamas. O jornal egípcio Al Gumhuriya, destaca em suas manchetes: "Terremoto político sem precedentes nos territórios palestinos" e "Hamas rompe o monopólio do Fatah no poder e ganha a maioria nas eleições".
O diário egípcio Al Ajbar disse que o "Hamas arrasa nas eleições e forma o governo palestino". O diário indica que o triunfo do Hamas foi sentido em Israel como um choque, enquanto Estados Unidos e Europa o acolheram com cautela, e o Irã foi o que mais abertamente mostrou sua satisfação. O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, conversou por telefone com o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, para pedir-lhe a realização de uma reunião na qual se discuta o futuro político da ANP.
Em declarações à imprensa, Haniyeh disse que a reunião será realizada, provavelmente, dentro de dois dias, quando Abbas for à Faixa de Gaza. Ontem mesmo Abbas anunciou que pedirá ao Hamas que forme o governo. Em declaração institucional, Abbas disse que "até agora não pedimos a ninguém que forme governo", mas "negociamos com algumas das formações políticas que participaram das eleições e é evidente que pediremos ao partido mais votado que assuma a tarefa de formar o governo".
Manifestações do Fatah
Palestinos ligados ao Fatah fizeram uma série de protestos na Cidade de Gaza para exigir a renúncia de Abbas da direção do partido. Os manifestantes se reuniram em marcha nas proximidades do prédio do parlamento. A tensão do integrantes do Fatah nas ruas de Gaza coincidiu com grandes atos convocados pelo Hamas para comemorar a vitória. Centenas de simpatizantes do Hamas comemoraram na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental, anexada por Israel.
O primeiro-ministro interino de Israel, Ehud Olmert, conversou com o presidente egípcio, Hosni Mubarak e com o rei jordaniano Abdullah II, sobre as conseqüências da recente vitória do Hamas. Em diferentes conversas telefônicas, Olmert expressou aos líderes da Jordânia e do Egito as preocupações existentes em Israel. O presidente egípcio disse que analisará esta questão com a direção palestina na próxima semana. O rei jordaniano disse que os palestinos devem agir de forma "responsável" e decidir em que direção querem avançar.
O governo israelense decidiu ignorar o próximo Governo islâmico da ANP, e iniciou uma campanha diplomática para convencer o Ocidente a seguir seus passos. A ministra de Exteriores de Israel, Tzipi Livni, pediu à "comunidade internacional" que não reconheça um governo palestino liderado pelo Hamas. A chefe da diplomacia israelense também pediu aos líderes internacionais que não legitimem o novo governo palestino se for liderado pelo grupo islâmico, que conquistou 76 das 132 cadeiras do Parlamento.
Impostos alfandegários
Além disso, afirmou que, ao escolher o Hamas, o povo palestino perdeu uma oportunidade para a paz, que se iniciou após a evacuação unilateral israelense da Faixa de Gaza em agosto e setembro. Israel também colocou em dúvida a possibilidade de transferir recursos para os palestinos. "Encontraremos problemas práticos para descobrir como lidar com pessoas que defendem a destruição de Israel", disse, no Fórum Econômico Mundial realizado na Suíça, Joseph Bachar, diretor-geral do Ministério das Finanças do Estado judaico.
Bachar referia-se aos impostos alfandegários e impostos sobre valor agregado que Israel recolhe em nome dos palestinos e que ele descreveu como sendo a principal fonte de financiamento do Orçamento palestino. O ministro palestino da Economia, Mazen Sinokrot, que participava do mesmo painel no qual o israelense deu essas declarações, disse que a ANP poderia quebrar já na próxima semana se Israel não realizar a transferência mensal de dinheiro (algo entre 40 milhões e 50 milhões de dólares).
Para Sinokrot, a transferência de recursos em questão referia-se a um "faturamento mensal" que Israel estava obrigado a pagar. "Não se trata de dinheiro de doadores. Eles têm a obrigação de trazer o dinheiro, dinheiro para o povo palestino. Eles não podem pensar de forma diferente", afirmou. "Como vamos pagar o salário de 135 mil funcionários?", perguntou Sinokrot. "Se esses salários não forem pagos, isso alimentará a violência", advertiu. Mais tarde, Bachar afirmou que "vamos tomar uma decisão na próxima semana a respeito da transferência dessa verba".
Assuntos municipais
A Comissão Europa (CE, órgão executivo da UE) garantiu que respeitará os resultados das eleições palestinas e acrescentou que a grande incógnita agora é saber se contará com um interlocutor válido com o qual possa trabalhar na Palestina. "Claro que vamos respeitar os resultados, é um processo democrático que é preciso levar em consideração, mas a questão é se dentro da ANP encontraremos um parceiro com o qual trabalhar", declarou a porta-voz de Exteriores da CE, Emma Edwin.
A ministra de Assuntos Exteriores da Suíça, Micheline Calmy-Rey, pediu que a "comunidade internacional" respeite a vitória Hamas. "O processo com o qual o Hamas obteve a maioria absoluta se desenvolveu de maneira democrática", afirmou a chefe da diplomacia suíça. Calmy-Rey afirmou que se pode esperar que o Hamas dê mostras do pragmatismo que tem utilizado nos distritos que já estão sob seu controle e abra uma nova via para a paz. "A gestão do Hamas tem demonstrado ser boa tanto nos assuntos municipais como nos de caráter social, e o acesso do grupo ao poder talvez ajude certas pessoas a pensar que o processo de paz pode mudar alguma coisa em sua vida cotidiana", afirmou a ministra.
Calmy-Rey afirmou que a melhora da situação social nos territórios palestinos, atualmente castigados pela pobreza e o desemprego, também faz parte do processo de paz, e pode encorajar o diálogo com Israel. A ministra disse esperar que o Hamas respeite os compromissos alcançados pelas autoridades palestinas e israelenses nos acordos de Oslo de 1993.
Felicitações do Brasil
O governo do Brasil considerou o processo eleitoral palestino como um marco decisivo para a consolidação da democracia e desejou que o pleito conduza a um Estado palestino independente que conviva em paz com Israel. Em comunicado, divulgado ontem após a vitória do movimento islâmico Hamas nas eleições realizadas nos territórios palestinos na quarta-feira, o governo brasileiro qualificou de "bem-sucedido" o processo eleitoral e expressou sua satisfação com o fato de as legislativas terem se realizado "em clima de completa tranqüilidade".
Além de felicitar as autoridades e o povo palestino, a nota assinala que o Brasil acompanha "com grande interesse" a situação na região e apóia os esforços a favor da "construção de um futuro de justiça e prosperidade" para todos os povos do Oriente Médio. O Brasil espera que o processo democrático "conduza ao estabelecimento de um Estado palestino independente e soberano, e à coexistência pacífica com Israel". Uma delegação de observadores brasileiros, composta por diplomatas e parlamentares, acompanhou as eleições palestinas.
O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, sugeriu que seu país seja intermediário entre palestinos e israelenses, já que, segundo ele, Ancara tem boas relações com as duas partes. Erdogan, que participa dos debates do Fórum Econômico Mundial, que se encerram em Davos amanhã (29), assinalou que seu país "poderia ter um certo papel de intermediário" entre as duas partes em conflito. O primeiro-ministro turco também sugeriu a possibilidade de que a Organização da Conferência Islâmica (OCI) tenha um papel de mediadora e disse ter abordado o assunto durante seu encontro com o presidente do Paquistão, Pervez Musharraf.
Com agências internacionais
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