1/17/2006

Tariq Alí faz balanço dos três anos da ocupação no Iraque



Por Tariq Alí *
No terceiro ano da ocupação, para a maioria dos cidadãos ocidentais, que vive submersa em um mundo de embustes, meias verdades e fatos manipulados, têm feito parte do cotidiano. No Iraque, muitos iraquianos, incluindo alguns que, no início se declaravam partidários da guerra, se perguntam, com inquietude, se o País sobreviverá, ou se os efeitos da recolonização ocidental o levará rapidamente à desintegração. Uma paisagem hobbesiana, hoje, poderá acabar desembocando, amanhã, em uma divisão em três partes.
Na segunda metade do século passado, o grande poeta iraquiano Muhammad Mahdi al-Jawahiri (1903-1999), filho de um clérigo xiita nascido na cidade santa de Najaf, expressava seu distanciamento a respeito do sectarismo religioso, afirmando sua fé em um nacionalismo iraquiano: ana al-Iraqu, lisani qalbuhu, wa-dami furatuhu, wa-kiyani minhu ashtaru (eu sou o Iraque, seu coração é minha língua, meu sangue é o Eufrates, meu próprio ser tem a a urdidura de seus ramos). E quanto tempo parece ter passado! O que reserva o futuro? A ocupação dos EUA depende estritamente da sustentação que de fato prestam os partidos políticos xiitas, especialmente o Scirim, que é o instrumento de Teherán no Iraque.
O aiatolá Sistani, que pouco depois da queda de Bagdá disse a todos os iraquianos ser partidário de um Iraque independente e unido, pode até ter sido sincero, mas aconteceram muitas coisas. Impedindo que os grupos xiitas desenvolvam sua luta e persuadindo Moqtada al-Sadr para que abandone a resistência, Sistani atravessou também o caminho da unidade do País. Una resistência unida, empenhada em combater em duas frentes, teria podido conduzir, em uma segunda fase, a um governo unificado.
Se os partidos xiitas tivessem decidido pela resistência à ocupação, há muito tempo esta teria acabado, ou sequer teria começado. No Irã, os clérigos no poder deixaram claro em Washington que não se oporiam à derrocada do Taliban e de Saddam Hussein. Eles o fizeram por seus próprios motivos e de acordo com seus próprios interesses, mas este é um jogo perigoso. Se os os bahasistas e os militares nacionalistas não souberam opor resistência, negando a Bush e a Blair a glória com que sonharam e gerando desse modo uma crise de confiança entre Washington e Londres, poderia ter se mantido na ordem do dia a questão de uma mudança de regime no Irã, apesar do apoio iraniano aos EUA. Ironicamente, é a resistência no Iraque que tem impossibilitado, a médio prazo, qualquer aventura deste gênero.
O grupo iraquiano mais beneficiado com a ocupação é o dos dirigentes tribais curdos. Eles receberam um caudaloso financiamento nos doces anos anteriores à guerra, e as agências de inteligência estadunidenses se serviram da região como base de penetração no resto do país. Eles controlam a polícia e o exército fantoche; eles determinam o caráter ultrafederal da Constituição e não escondem sua preferência por uma limpeza étnica de árabes e não curdos em Kirkud, incluindo os ali nascidos. Minorias outrora oprimidas, podem converter-se rapidamente em ppressoras, como Israel se empenha em demonstrar ao mundo. Os dirigentes curdos, com Kirkuk ya en el bolsillo, estão felizes com a perspectiva de se converterem em um apadrinhado ocidental.
Se a unidade dos grupos xiitas imposta pelo clero se puser a perder – e poderia dar-se o caso, se lhes negassem o luxo das tropas estadunidenses e seu apoio aéreo—, então se abriria a possibilidade de um new deal capaz de impedir una balcanização. Ou se Teherán se visse forçado a decidir que um Iraque genuinamente independente está entre os interesses de toda a região. Mas os mullah não são famosos como expoentes do pensamento racional. Os resultados terrenos a curto prazo são considerados como um atalho para o céu. No horizonte não se adivinha um final feliz.
E o petróleo? O modelo em curso de preparação custará ao Iraque milhares de milhões em termos de extrações não feitas enquanto as corporações globais esperam a colheita. Os contratos que estão sendo preparados darão a estas últimas um rendimento entre 42 e 162%, em uma indústria cujo rendimento mínimo se moverá em torno de 12%. Embora do ponto de vista legal o petróleo cairá nas mãos do Estado, os acordos para dividir a produção (PSA - Sharing Production Agreements) oferecerão as concessões para as companhias privadas. Também isto deve ser visto como uma vitória de Halliburton e de seus padrinhos políticos.
Enquanto um governo iraquiano apoiar os acordos PSA, os EUA terão a possibilidade de retirar suas tropas e proclamar-se vencedores. O triunfo da liberdade se refletiria em uma acordo petrolífero. Depois de tudo, no contam muito mais coisas. Agora, bem... Um pacto deste tipo poderia manter-se indefinidamente sem a presença das tropas imperialistas? É improvável. No passado, o petróleo revitalizou os movimentos nacionalistas e transformou a política no Irã e no Iraque. Os tempos mudaram, mas os problemas de fundo se mantiveram, e a luta pelo petróleo poderá prolongar-se no tempo.
* Membro do Conselho Editorial de Sinpermiso
Fonte: Sinpermiso