Respeitemos Maomé

Armindo Trevisan - Especial para Carta Maior
A arrogância do mundo ocidental atribui a culpa de todas as indignações dos islâmicos ao seu fundamentalismo, a intransigência dos ulemás, a mil e uma coisas (e noites), sem jamais perguntar-se se nós, ocidentais, não somos uns chatos, ou – pior do que isso – uns bárbaros com canudos da Sorbonne. Agora, mesmo, a Dinamarca e a Suécia, ou antes, engraçadinhos dinamarqueses e noruegueses tiveram a idéia de tomar o Profeta Maomé como tema de suas caricaturas, publicadas em dois jornais, um de cada país.Resultado: os países islâmicos protestaram, decidindo boicotar os produtos da Dinamarca e da Noruega. Os dois países, alvos das represálias, responderam que a liberdade de expressão não podia levá-los a proibir tais caricaturas. Bem, as relações envenenaram-se, e além de manifestações de rua, extremamente violentas, no Irã e no mundo árabe em geral, as hostilidades, de lado a lado, se intensificaram. Na Cisjordância, os cidadãos dinamarqueses foram convidados a retirarem-se. O diretor de um dos jornais, Carsten Juste, redator-chefe do "Jyllands-Posten", dinamarquês, exprimiu seu pesar pelas proporções que o “affaire” assumiu.Considero tudo isso uma hipocrisia e uma loucura vergonhosas. Como cristão, praticante, exijo que a democracia respeite as convicções de cada cidadão. Cidadania é isso: não fazer aos outros o que não se quer que se faça a si próprio. O resto é filosofia de pé-de-chinelo.Tempos atrás, sofri, em minha própria pessoa, os ultrajes que foram dirigidos à pessoa de Cristo por autores e homens da mídia. Por que essa gente não foi mais “corajosa”, e não resolveu enxovalhar a pessoa de Marx, imaginando-o, por exemplo, um gigolô, ou corrupto de marca maior? Até mesmo um cineasta sério, como o autor do filme "A Última Tentação de Cristo" podia ser mais democrático e sensato, deixando para seu psicanalista os conflitos não-resolvidos de sua iniciação cristã repressiva.Valeria a pena ele ler os evangelhos, interpretando-os como são. Não se pode deduzir de tais documentos nenhuma ligação erótica de Cristo com Madalena! Engoli em seco os insultos a Cristo que, para um cristão, não é só um personagem histórico, como não o é, para um islâmico, a respeitável figura de Maomé. Para estes, Maomé é o maior Profeta que Deus enviou à terra. É ainda maior do que Cristo ou Abraão. Mesmo divergindo de meus irmãos islâmicos, não aceito as truculências ocidentais, tão condenáveis como os ataques de Bush às bases de foguetes do Irak, jamais demonstradas.É hora de a ONU tentar um a acordo mundial sobre o respeito às convicções religiosas. Não se brinca com isso. Se os caricaturistas, e os intelectuais em geral, querem fazer humor, piadinhas, etc., que o façam contra os seres que nada têm a ver com as religiões, que os há às pencas. No Brasil, teríamos assunto para enciclopédias inteiras de sátira, depois do que aconteceu com o Mensalão e outras estratégias da esperteza. Deixem-nos em paz! Queremos ter a liberdade de venerar nossos líderes religiosos, sem esse humor execrável de artistas insolentes.
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